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Bárbara Guatimosim Vicissitudes do desejo do analista

Pergunta ainda Lacan: “Como não reconhecermos, nós analis-
tas, o que está em questão?” (LACAN, 1961, p. 178). Sócrates,
está aí o primeiro psicanalista que, se furtando a encarnar o ob-
jeto valioso, diz a Alcebíades: “Seu amor visa outro. Cuide de
sua alma”. O desejo do analista, desde então, se afirma clara-
mente para Lacan: Não é desejo de ser (analista), mas de des-
ser; é lugar do objeto decaído, de resto, significante qualquer,
palha, estrume, dejeto, rebotalho, esterco, lixo, merda4...

Mas com ressalvas:

O psicanalista, como se diz, aceita ser merda, mas não
sempre a mesma. Isso é interpretável, com a condição de
que ele perceba que, ser merda, é exatamente o que ele
quer, a partir do momento em que se faz testa de ferro
do SsS. [...] O que importa, portanto, não é esta merda ou
aquela. E também não é qualquer uma. E que ele entenda
que essa merda não vem dele, como não vem da árvore
que ela recobre no país bendito dos pássaros: da qual
mais do que o ouro ela faz o Perú. (Pierre Turkey?)5. [...]
O pássaro de Vênus é cagão. A verdade, no entanto, nos
chega sobre as patas da pomba, percebemos isso. Não
é razão para que o psicanalista se tome pela estátua do
Marechal Ney. Não, diz a árvore (Ulm), diz não por ser
menos rígida, e faz com que o pássaro descubra que ele
continua por demais sujeito de uma economia animada
na ideia de Providência (LACAN, 1967, p. 37).

4 Sentido presente em vários momentos da elaboração de Lacan: Proposição 25
de 1967 (1ª e 2ª versões), Discurso a EFP, Nota italiana, Seminário do Ato,
etc.

5 Pergunta da autora.

Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, Topologia e desejo do analista, ano 3, n. 3, p. 19-31, 2017
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