Page 94 - revista_ato_topologia_e_desejo_do_analista_ano3_n3
P. 94
“... porque não é isso!” Nas dobras do BarrocoOutra dimensão do saber

corporal é o que se dá a ver, o que aparece. A encenação
dramática, promovida pela Contrarreforma, tenta acalmar,
regular a alma atormentada, de um ser desamparado diante
da infinitização do mundo que se abria. Gozo místico
testemunhado pelos mártires em seu sofrimento mais ou
menos puro.

São Tomás (1227-1274) cristianizou Aristóteles, à seme-
lhança do que fez Santo Agostinho com Platão. Ele trans-
formou o pensamento aristotélico num padrão aceitável
pela Igreja Católica, apesar de Aristóteles não ter conhe-
cido a “revelação” cristã. No fim de sua vida, Tomás disse
que tudo o que havia escrito era “palha” diante do que lhe
foi revelado. Ele negou... porque não é isso... Lacan diz que
os cristãos têm horror do que lhes foi revelado. Em sua
frase emblemática, Lacan confirma isso dizendo: “... eu te
peço que recuses o que te ofereço, porque não é isso”. E
enfatiza: “... porque não é isso!” (LACAN, 2010, p. 231).

Aí está o grito pelo qual se distingue o gozo obtido do gozo
esperado. Lacan diz que “o inconsciente não é que o ser
pense”, mas “[...] é que o ser, falando, goze”. E acrescenta:
“[...] e não queira saber nada, mais nada disso” (LACAN,
2010, p. 224). Esse saber é perfeitamente limitado a esse
gozo insuficiente, que constitui que ele fale, o gozo fálico.
A negação mostra o real, aparece como advinda do próprio
texto do gozo, na medida em que faz suplência à inexistên-
cia da relação sexual, já que a proporção com o Outro sexo
não existe.

92 Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, Topologia e desejo do analista, ano 3, n. 3, p. 87-97, 2017
   89   90   91   92   93   94   95   96   97   98   99