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“... porque não é isso!” Nas dobras do BarrocoOutra dimensão do saber
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
(LUÍS DE CAMÕES, Soneto)
Lacan diz que seu discurso participa do Barroco. Após tes-
temunhar uma “orgia” de igrejas na Itália, ele refere-se à
arte barroca como uma
[...] exibição de corpos que evocam o gozo, só falta a co-
pulação e, se ela não está presente, não é sem razão. Ela
está tão fora de campo quanto está na realidade humana,
que ela sustenta com os fantasmas de que é constituída.
Em nenhum lugar, em nenhuma área cultural essa ex-
clusão se confessou de maneira mais nua. E mais, em ne-
nhum lugar, como no cristianismo, a obra de arte, como
tal, revela-se de modo mais patente pelo que ela é, desde
sempre e por toda parte: obscenidade (LACAN, 2010, p.
233).
No Encore, Lacan interroga sobre o fundamento da psica-
nálise, o inconsciente, e faz uma crítica à ciência nos mol-
des aristotélicos, em que o gozo fica elidido. Ele pergunta:
“[...] como uma ciência ainda (encore) – depois do que se
pode dizer do inconsciente – é possível?” (LACAN, 2010,
p. 223). Isso o levará a falar do cristianismo.
Ele diz que a prova da existência de Cristo é o cristianis-
mo, e que a história de Cristo “[...] apresenta-se não como
empreendimento para salvar os homens, mas para salvar
88 Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, Topologia e desejo do analista, ano 3, n. 3, p. 87-97, 2017
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
(LUÍS DE CAMÕES, Soneto)
Lacan diz que seu discurso participa do Barroco. Após tes-
temunhar uma “orgia” de igrejas na Itália, ele refere-se à
arte barroca como uma
[...] exibição de corpos que evocam o gozo, só falta a co-
pulação e, se ela não está presente, não é sem razão. Ela
está tão fora de campo quanto está na realidade humana,
que ela sustenta com os fantasmas de que é constituída.
Em nenhum lugar, em nenhuma área cultural essa ex-
clusão se confessou de maneira mais nua. E mais, em ne-
nhum lugar, como no cristianismo, a obra de arte, como
tal, revela-se de modo mais patente pelo que ela é, desde
sempre e por toda parte: obscenidade (LACAN, 2010, p.
233).
No Encore, Lacan interroga sobre o fundamento da psica-
nálise, o inconsciente, e faz uma crítica à ciência nos mol-
des aristotélicos, em que o gozo fica elidido. Ele pergunta:
“[...] como uma ciência ainda (encore) – depois do que se
pode dizer do inconsciente – é possível?” (LACAN, 2010,
p. 223). Isso o levará a falar do cristianismo.
Ele diz que a prova da existência de Cristo é o cristianis-
mo, e que a história de Cristo “[...] apresenta-se não como
empreendimento para salvar os homens, mas para salvar
88 Revista da ATO – escola de psicanálise, Belo Horizonte, Topologia e desejo do analista, ano 3, n. 3, p. 87-97, 2017