Page 40 - Revista Ato - O Nó e a Clínica - Ano 3 / nº2
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Sobre a consistência.A lógica do pressentimento

idealização da relação. Porém, o ex-namorado a procurava
e tentava reatar o relacionamento, e, ao mesmo tempo em
que ele investia, ela percebia nele os mesmos traços e os
velhos comportamentos que a levariam a repetir toda a cena
de grande sofrimento, de considerável desapontamento e
de uma possível nova reação agressiva. E é aqui que uma
torção se dá em análise, a partir da frase: “fico com um
pressentimento de que seu eu for, novamente vai dar errado!
Mas eu acabo não dando valor pra este pressentimento e
aí novamente me vejo anulada e triste. Isso não adianta!”.
Retomo Lacan: “algo se desenrola em torno da traição,
quando se a tolera [...] se cede a ponto de diminuir suas
próprias pretensões [...] aqui vocês podem estar certos de
que se reencontra a estrutura que se chama ceder de seu
desejo” (LACAN, 2008, p.375).

Fiar-se neste pré-sentimento e não dar passos de
errância é enodar-se no saber que se apresenta no sujeito,
algo do real, que, através da idealização, fica anulado,
esquecido e perde seu efeito de borda. Como a analisante
mesma diz, de forma exclamativa: “vai dar errado!” e “não
adianta!”. O fantasma não adianta, ele é a estagnação no
gozo. Um axioma constante pelo qual o sujeito estabelece
alguma entrada no real (LACAN, 2003, p.326-327). Mas
ficar por aí, sem nada querer do saber, é mesmo quando
alguém pode entrar em crise, se trair, se atrasar, não se
adiantar e ceder de seu desejo.

Tocada em algum ponto do seu gozo, a analisante
calcula: “Preciso cercar isso”. Cercar o empuxo ao

40 Revista da ATO - escola de psicanálise, Belo Horizonte, O Nó e a Clínica, Ano III, n. 2, pp. 37-45, 2016
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